#Mulheres2016: Coletivo Mulheres da UFLA, um movimento de resistência


Membros do Coletivo Mulheres da UFLA



Wesley Talaveira / Larissa Oliveira

Ah, a faculdade! A vida de universitário começa muito antes do início das aulas, as vezes muitos anos antes, ainda na infância. Quem aí quando criança não sonhou com alguma profissão, seja igual à dos pais, de um parente, ou alguém que admirasse. Esse sonho de criança começa a tomar corpo na adolescência, quando o Ensino Médio nos lembra que estamos a um passo de nos tornarmos adultos e o que antes era vontade futura vira planos de curto prazo: a escolha do curso, qual faculdade cursar, qual horário, pública ou particular, preparação para o vestibular, ler, estudar, estudar e estudar para, depois de tudo isso, finalmente se tornar um universitário. Estar na universidade é, depois de tudo isso, o primeiro passo rumo a um futuro promissor e cheio de conquistas. 

Seria uma pena se algo estragasse tudo isso, né? 

Sim, o machismo está espalhado por toda parte, como já foi dito nos textos dessa semana aqui no blog. E a universidade é um desses lugares em que o machismo impera com força e completamente livre, já que pra muitos o ambiente acadêmico é uma zona livre de qualquer restrição ou lei, onde impera apenas a vontade do mais forte. Pra lutar contra isso e mostrar que machismo não cabe em lugar nenhum, inclusive na faculdade, um grupo de alunas da Universidade Federal de Lavras criou um movimento incrível, o Coletivo Mulheres da UFLA, para reunir universitárias dispostas a lutar pela igualdade no ambiente universitário.

Conversamos com a Agatha Neves, uma das participantes do Coletivo:


Agatha Neves, membro do Coletivo
Todas as participantes são do curso de Direito, ou o movimento abrange outros cursos? O Coletivo iniciou-se dentro do curso de Direito, com participantes apenas do mesmo curso. Agora, com a repercussão não só no âmbito universitário, vamos nos abrir para quem tiver disposta a participar. Exatamente por isso mudamos o nome de Mulheres do Direito para Coletivo Mulheres da UFLA, pois assim manteremos nossa identidade de movimento acadêmico (iniciado na UFLA), mas que está de portas abertas para abranger todas as mulheres, da universidade ou não. Inclusive no evento do dia 8 de Março ("Nem tudo são flores - Debatendo os Assédios na UFLA") contaremos com a participação de mulheres da comunidade de Lavras, que entraram em contato conosco, pois souberam do mesmo e ficaram muito animadas em participar. Inclusive, na nossa página, recebemos mensagens diárias de meninas de outros cursos e de outras universidades que querem ajudar, participar das reuniões, fazer algo efetivo para se envolver com o movimento. O que nos deixa extremamente contentes já que não imaginaríamos essa repercussão toda. 

Algum acontecimento específico motivou a criação do movimento? Nos unimos para construir um espaço mais igualitário. Desde 2014 temos tentado nos organizar para criar um coletivo para alcançar esse propósito, mas que nunca conseguia se firmar como conseguimos agora. Chegaram para algumas de nós casos de assédios ocorridos no âmbito universitário. A UFLA ainda é uma universidade que está se abrindo quanto as discussões sociais, uma vez que tradicionalmente vem de uma linha de cursos agrários, onde muitas vezes tais discussões são vistas em segundo plano e abrem espaço para que o machismo seja tão cotidiano e forte que as mulheres simplesmente se submetem a ele, as vezes sem ver. Claro que passamos por isso na sociedade de forma geral, mas dentro da universidade, esperamos encontrar um ambiente mais igualitário, o que não é visto na realidade. A partir de então criamos um grupo para melhorar a comunicação e no dia 17 de fevereiro realizamos um "cartazaço" pela universidade e no Departamento de Direito, com frases de empoderamento feminino, de conscientização, além de frases que ouvimos cotidianamente que nos constrangem pelo seu cunho machista. Qual a receptividade dentro da faculdade? E fora? A receptividade e a repercussão do nosso movimento foi uma surpresa enorme para nós. A UFLA, em si, como universidade, entrou em contato conosco essa semana para fazer uma matéria sobre o Coletivo. Mas nos surpreendeu a receptividade de outras entidades dentro dela. Recebemos com enorme felicidade uma "Moção de Apoio" publicada pelo Sind-UFLA (Sindicato dos Técnicos Administrativos em Educação das Instituições Federais de 
Campanha "Pode / Não Pode", criada pelo Coletivo
para orientar os universitários em festas da UFLA
Ensino de Lavras), além de um convite para organizarmos com eles o evento citado acima no Dia Internacional da Mulher. Além do Sind- UFLA contamos com o apoio da ADUFLA (Associação dos Docentes da UFLA), além de vários professores de diversos departamentos que externaram seu apoio ao Coletivo nas redes sociais e até em sala de aula. Na última semana teríamos em Lavras uma festa muito famosa no âmbito universitário que ocorre semestralmente e criamos a campanha do "Pode/Não pode" das baladas, para tentar conscientizar, de forma simples e dinâmica, os homens sobre atitudes que incomodam as mulheres em festas, como pegar no braço com força, forçar beijo ou tentar algum assédio aproveitando-se da situação vulnerável causada pela bebida alcoólica. A própria organização da festa nos ajudou na divulgação, e, pela página, tivemos quase 10.000 pessoas alcançadas com essa campanha. Além disso fomos convidadas a participar do Conselho da Mulher de Lavras; a Prefeitura também nos procurou para fazermos uma parceria no dia do evento do dia 8; e, também foram feitas diversas matérias em jornais locais sobre o Coletivo e nossa movimentação. Conseguimos apoio do Centro Acadêmico da UFMG e de diversas páginas conhecidas do Facebook e Instagram que promovem o feminismo e a sororidade das mulheres, que publicaram em suas páginas nosso "cartazaço" e nosso contato. 

O que a direção da UFLA disse sobre o movimento? Por enquanto nada, como disse na outra pergunta, entramos em contato com a Assessoria da Universidade para divulgarem a campanha do "Pode/Não Pode", mas como não responderam a tempo da festa mencionada, não participaram desse apoio. Mas essa semana entraram em contato conosco porque querem fazer uma matéria sobre nós, e segundo a assessoria, estão dispostos a continuar divulgando pelas mídias sociais oficiais da Universidade. O contato será no final dessa semana ainda. 

A faculdade tem algum tipo de punição para casos de abuso acontecidos dentro da faculdade? Pelo que pesquisamos a universidade conta com a Ouvidoria para casos relacionados a abuso ou qualquer outro tipo de denúncia ou reclamação. Com conversas feitas por meninas que já precisaram passar por esse trâmite, concluímos que essa via não está sendo muito efetiva. O evento do dia 8 conta com esse enfoque também, o que fazer caso me sinta assediada ou abusada? Teremos especialistas jurídicos para esclarecerem dúvidas em relação a isso. De toda forma, caso haja materialidade penal, a vítima deve procurar imediatamente o posto policial que se encontra dentro de nossa Universidade, para que além de um processo administrativo, ocorra um processo na esfera penal. Conforme as normas internas da UFLA é possível ocorrer sim punição a docentes, servidores ou discentes em que se comprove o caso denunciado. 

Qual a reação dos homens com o coletivo? Positivas e negativas. Soubemos de um homem que, revoltado, arrancou vários cartazes do nosso movimento. Ficamos felizes com isso, porque se o incomodamos, devemos ter tocado em algo de seu interior (risos). Houve debate interno sobre essa questão e apostamos em uma atitude que aproxime os homens do nosso movimento, não tomando o protagonismo, mas reforçando nossa luta. Estamos com um movimento no dia 8 de março, por exemplo, que se chama "Saiaço", em que desafiamos mulheres e homens a irem de saia para a universidade, para que as mulheres sintam-se a vontade para ir com a roupa que quiserem, e, os homens de demonstrar solidariedade. Os homens envolvidos com a organização do evento, das outras entidades participantes, se mostraram super animados com a ideia. Inclusive a Atlética do Curso de Direito também se mostrou disposta a participar, já que muitas vezes esse tipo de organização passe a ideia de machista. No dia do cartazaço, inclusive, um moço de super boa vontade nos ajudou a colar cartazes e nem o conhecíamos, só leu um e achou a iniciativa legal e quis ajudar. A ideia é de proximidade, para que possamos ter um ambiente igualitário em todos os quesitos, que nada dependa da questão de gênero.

Logotipo do Coletivo


Cartazes espalhados pela UFLA


Pensam em estender para outras faculdades ou é um movimento exclusivo da UFLA? Não, não queremos exclusividade nenhuma! Estamos dispostas a abarcar mulheres de Lavras em geral, das cidades vizinhas e estamos tentando estreitar laços com outras entidades que promovam a mesma ideia que a nossa de outras universidades e outras cidades. É apenas um movimento iniciado na UFLA, mas pra TODAS as mulheres. 

Existe algum tipo de apoio ás meninas que já relataram terem sido vítimas de abuso dentro da universidade? Pela universidade, como instituição, estamos pesquisando para saber exatamente como ocorre isso, se há um efetivo acompanhamento psicológico ou não. Dentro do Coletivo, acredito que elas se sintam mais a vontade. Anonimamente, já recebemos vários relatos de abusos com mulheres que nunca se sentiram confortáveis em falar, mas que com nosso espaço se sentem, até mesmo para ser uma forma de apoio a outras vítimas. Dentro do Coletivo já viramos amigas, por isso tentamos dar o máximo apoio tanto nas questões jurídicas quanto o amparo necessário. E o enfoque em todos os casos segue o mesmo, as mulheres se sentem culpadas pelo próprio assédio que sofreram...e tentamos expor o máximo a seguinte verdade: a vítima NUNCA tem culpa!

Comentários

  1. Coluna excelente! Parabéns ao blogueiro e principalmente às meninas do Coletivo Mulheres da UFLA. Tomara que outr@s jovens de outras universidades sintam-se motivad@s a movimentos como este.

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