No Dia da Mulher, Precisamos Falar Com os Homens
Imagine uma torneira vazando água na sua casa. Você fecha, aperta com força, mas a água continua pingando. O que fazer para reverter a situação? Colocar vasilhas embaixo da torneira, para não desperdiçar a água e poder reaproveitar, até que isso se torne rotina na família? Ou seria melhor procurar o vazamento e consertar?
Falamos demais sobre o combate a violência contra a mulher. O feminicídio, apesar de tipificado no código civil com punições pesadas, não para de crescer. A Lei Maria da Penha, apesar de boa na intenção, vem se mostrando cada vez mais ineficaz para combater crimes cometidos por motivos sempre banais, como o fim de um relacionamento, ou o absurdo de uma rejeição a um flerte. O grande problema dessa forma de atuação é que estamos agindo no foco errado. Focamos em proteger a mulher, em dar a ela o conforto e acolhimento necessário após o crime acontecer, ou depois das ameaças, e pensamos sempre em leis mais severas que punam o agressor. Essas coisas são extremamente importantes, e precisam sim serem feitas. Mas não podem ser as únicas medidas. Focar apenas na punição a um crime que já aconteceu e no acolhimento a uma mulher que já foi agredida é reaproveitar a água vazando da torneira.
Precisamos encontrar o vazamento e consertar.
E onde está esse vazamento? Como evitar que a mulher se sinta ameaçada em um mundo onde elas são a maioria da população, mas ainda se sentem tão vulneráveis?
O foco não pode ser a mulher. O foco precisa ser o homem.
Não, esse não é um post machista de red pill, muito menos um post de "homens feministos". A ideia aqui é entender, de forma sincera, o que leva um homem muitas vezes comum, de família boa, a se sentir no direito de ameaçar e até agredir uma mulher. O que se passa na cabeça dos homens?
Precisamos entender, antes de qualquer coisa, que a sociedade, ao longo dos séculos, tem sido moldada por estruturas patriarcais que frequentemente promovem a ideia de superioridade masculina em relação às mulheres. Essa noção de superioridade é transmitida desde a infância, influenciando profundamente a forma como os homens se veem e interagem com o mundo ao seu redor. Desde cedo, os meninos são socializados para adotar papéis tradicionalmente masculinos, muitas vezes associados à força, à liderança e à proteção. Essa socialização pode ser observada em brinquedos, atividades e até mesmo em expressões comuns, como "seja homem" ou "não chore como uma menina". Essas mensagens sutis, mas poderosas, reforçam a ideia de que a masculinidade é superior à feminilidade.
Sim, os homens, ao longo da vida, são ensinados a serem superiores, a serem mais fortes que as mulheres. A superioridade masculina é frequentemente construída através da desvalorização das características femininas. Isso pode ser visto na forma como as emoções são tratadas: enquanto os homens são incentivados a controlar suas emoções, as mulheres são vistas como mais emocionais e, portanto, menos racionais. Essa dicotomia cria uma hierarquia em que a racionalidade masculina é considerada superior à sensibilidade feminina.
Daí para o machismo na vida adulta, é um pulo.
O machismo surge como um resultado direto dessa socialização. Ele se manifesta na forma como os homens se relacionam com as mulheres, muitas vezes tratando-as como inferiores ou objetos. O machismo também se expressa na resistência a mudanças que promovam a igualdade de gênero, pois ameaçam a posição de poder tradicionalmente ocupada pelos homens.
Deus é um homem ou uma mulher?
O cristianismo, em suas interpretações tradicionais, tem sido uma das principais fontes de influência na construção do machismo. A Bíblia, em alguns de seus textos, é interpretada de maneira a colocar as mulheres em uma posição subordinada aos homens. Por exemplo, a história de Adão e Eva no Gênesis é frequentemente usada para justificar a submissão feminina, com Eva sendo vista como a responsável pelo pecado original. A representação de Deus como uma figura masculina reforça a ideia de que os homens possuem uma "autoridade divina" sobre as mulheres. Também a interpretação dos escritos do apóstolo Paulo sobre relações de gênero tem sido historicamente usada para reforçar estruturas machistas, embora especialistas apontem que isso muitas vezes resulta de leituras descontextualizadas. Precisamos lembrar que Paulo escreveu em um mundo greco-romano profundamente patriarcal, onde a hierarquia familiar era norma. Textos como Efésios 5:22-24 ("mulheres, sejam submissas aos maridos") e 1 Timóteo 2:11-12 ("a mulher aprenda em silêncio") refletiam preocupações práticas para evitar escândalos em comunidades nascentes, como em Éfeso, onde mulheres recém-convertidas do culto à deusa Diana precisavam adaptar-se a novas dinâmicas. Essas orientações, porém, não eram "leis universais", mas respostas a conflitos locais.
E como resolvemos isso?
Entenda: a ideia desse post não é explicar conceitos bíblicos, muito menos "defender", "passar pano para agressor" nem nada disso. Os crimes devem sim ser punidos com o rigor da lei.
O que queremos é entender como a ideia da superioridade masculina surge, para tentar evitar que novos crimes aconteçam. Por isso o foco do combate precisa ser o homem. Se quem comete o crime é o homem, precisamos entender o que o leva a cometer esse crime. Para isso, precisamos repensar a forma como o homem se vê na sociedade, e como ele vê a mulher. A superioridade masculina ensinada desde a infância, reforçada por interpretações religiosas tradicionais, é um fator crucial no desenvolvimento do machismo.
Ao reconhecer e questionar essas estruturas, podemos trabalhar em direção a uma sociedade mais igualitária, onde homens e mulheres possam se desenvolver livremente, sem as amarras dos papéis de gênero tradicionais. A mudança começa com a conscientização e a disposição de desafiar as normas que nos foram impostas. Precisamos da humildade para entender que sim, muito do que nos foi ensinado na infância pode estar errado. Sim, nossos pastores nos ensinaram algo que não era correto. Nossa mãe pode ter falhado nesse quesito, ao nos ensinar que certo comportamento "não é coisa de homem". Nosso pai aprendeu isso do nosso avô, que trouxe de nosso bisavô, e sem perceber, estamos repetindo os comportamentos patriarcais. E assim crescemos entendendo que o mundo gira em torno da masculinidade. Se eu, como homem, sou superior a mulher, logo sou o juiz que julga o que ela deve ou não fazer na sociedade. Isso explica muitas vezes homens reconhecidamente bons entre os amigos e a família cometerem crimes pelo simples fato de uma mulher não aceitar o fim de um relacionamento, ou abusos que ocorrem com a justificativa de que "a roupa dela era sensual demais".
Precisamos urgentemente reconhecer que a forma como nos vemos no mundo está errada. Não somos o centro do universo, mas parte dele. Não somos os "chefes de família", apenas membros. Não somos os "provedores", apenas participantes do convívio do casal. Esses conceitos, apesar de bonitos no discurso, reforçam o homem como superior, como "líder", portanto, com autoridade sobre a liderada, no caso, a mulher.
Pra concluir: repensar nosso papel na sociedade nos fará perceber que não temos qualquer domínio sobre a mulher, muito menos sobre o comportamento dela. Somos todos livres para fazer o que entendemos e lidamos com as consequências de nossos atos. Você não é "responsável" por ela, apenas o companheiro. Entendendo isso, teremos dado um passo gigantesco rumo a tão sonhada "igualdade de gênero".
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