Presidente Huck?




Dificilmente Luciano Huck sairá como candidato a presidente em 2022. É uma empreitada para a qual ele não faz a menor questão de esconder que não está preparado. A falta de um partido grande o suficiente para compensar a militância inexistente (os grandes partidos já se movimentam com seus nomes, construídos há muito mais tempo), a exposição exagerada, a enxurrada de ataques pessoais a ele e a sua família, ter sua vida pessoal vasculhada pela mídia e pelos opositores, tudo isso e outros fatores o farão desistir do conforto de ser um apresentador da maior emissora de TV da América Latina - sem falar na diferença dos ganhos salariais. Assim como fez em 2018, Huck vai fazer mistério sobre seu nome apenas para ganhar mais relevância política e reforçar o peso do movimento Renova BR, do qual ele é o principal patrocinador, mas no momento certo vai sair da disputa para assumir os domingos da Globo no lugar do Faustão, que por motivos inexplicáveis não continuará na Globo em 2022. 

Mas o discurso político de Huck merece muito ser ouvido. 

Porque - e por mais incoerente que isso possa parecer, diferente de todos os outros que aí estão, Huck parece ser o único que ouve a voz do "Brasil real", o Brasil do chão de terra, que acorda cedo para enfrentar trânsitos intermináveis em ônibus lotados para trabalhar em subempregos, o Brasil da mulher que se vira vendendo bolo de pote e Avon para reforçar o orçamento da casa, do homem que precisa desgastar seu carro como motorista de Uber para compensar o desemprego. Esse Brasil, lembrado pelos partidos políticos apenas em campanha eleitoral e completamente esquecido no dia seguinte ao segundo turno, sempre esteve presente no discurso de Huck, seja de modo assistencialista, consertando casas paupérrimas ou oferecendo doações a organizações de bairros, seja trazendo essa realidade aos debates acadêmicos, citando essas pessoas em eventos de pessoas cheias de dinheiro que pensam que o Brasil se resume a futebol e samba. Talvez sua experiência como apresentador de TV tenha servido para que ele, com um padrão de vida elevado graças aos seus rendimentos sempre acima dos milhões, tomasse consciência de que existe uma realidade dura, de pessoas que fazem de tudo para não ver seus filhos na marginalidade, para colocar algo na mesa no café da manhã; e mais do que tomar consciência, tentar - a seu modo - dar voz a essas pessoas, ouvir o que elas tem a falar. Por mais incrível que pareça, Luciano Huck, tão rico quanto outros políticos, tem essa consciência social que falta a quase todos os outros. 

Para quase todos os governos que já passaram no Brasil até hoje, salvo raras exceções, o pobre é sempre parte do problema. Quem causa os problemas do Brasil são as classes médias e baixas, com ose elas tivessem culpa por serem pobres, ou serem culpadas apenas por existir. Quando há alguma decisão dura a ser tomada, toma-se sempre a que pese sobre o mais pobre, sem afetar em nada os mais ricos. A economia vai mal? Corta benefícios. Falta dinheiro? Faça o mais pobre pagar mais. Cobramos IPVA de carros populares, mas lanchas não pagam qualquer imposto. Idosos perdem isenção no transporte público, mas milionários não pagam qualquer imposto adicional num país de milhares de miseráveis. Modernização da mão de obra? Sempre feita às custas de milhares de empregos. As pessoas, principalmente as classes mais baixas, são hoje vistas como um peso, o "fardo" que um governo precisa carregar. O sonho de todo governo é se livrar dos mais pobres, fazer de conta que não existem e lidar com a economia pensando sempre na classe média para cima, a classe já empregada e que já gira a roda da economia. Os mais pobres são vistos como a "pedra no sapato", que os candidatos definem sempre como um "desafio", e outros eufemismos. 

Pelo menos no discurso - e em sua atuação como apresentador, Huck demonstra entender que nenhuma solução para esse país pode ser tomada sem que as pessoas sejam incluídas. O brasileiro precisa ser o pilar de qualquer transformação social, política e econômica. Huck fala isso, não é de hoje, e demonstra estar cercado de pessoas que também pensam isso. Claro, o discurso precisa ser aprofundado, mas para um começo, isso é bastante reconfortante. 

Repito: acho difícil Luciano Huck sair candidato em 2022. Mas espero que seu discurso influencie algum dos "candidatos de centro" que brigam entre si como perus bêbados para saber quem será o candidato de fato. Enquanto isso, Lula e Bolsonaro ganham espaço. 

Quem sabe um dia esse país possa voltar a "sonhar mais um sonho impossível". 


Fonte da imagem: Exame

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