Nada é Pesado Quando Se tem Asas
O texto abaixo foi o trecho de uma peça de teatro que assisti em 2010. A peça, chamada "Voando para o Alto", mescla trechos de um blog de poesias de uma escritora americana que existia na época com trechos do livro "Fernão Capelo Gaivota", de Richard Bach. O texto estava perdido nos rascunhos, mas representa tão bem o momento atual que estou vivendo que resolvi repostar.
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A pomba, que por medo do gavião, se recusasse a sair do ninho, já se teria perdido no próprio ato de fugir do gavião. Porque o medo lhe teria roubado aquilo que de mais precioso existe num pássaro: o voo. Quem, por medo do terrível, prefere o caminho prudente de fugir do risco, já nesse ato estará morto. Porque o medo lhe terá roubado aquilo que de mais precioso existe na vida humana: a capacidade de se arriscar para viver o que se ama.
Mas logo o pequeno pássaro começará a ensaiar seus voos incertos. Agora não serão mais os braços do pai, arredondados num abraço, que irão definir o espaço do ninho. Os braços do pai terão de se abrir para que o ninho fique maior. E serão os olhos do pai, no espaço que seus braços já não podem conter, que irão marcar os limites do ninho. A criança se sente segura se, de longe, ela vê que os olhos do seu pai a protegem. Olhos também são colos. Olhos também são ninhos. “Não tenha medo. Estou aqui! Estou vendo você“: é isso o que eles dizem, os olhos do pai.
Para voar é preciso amar o vazio. Porque o voo só acontece se houver o vazio. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Os homens querem voar, mas temem o vazio. Não podem viver sem certezas. Por isso trocam o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.
Curioso: nós, humanos, somos os únicos animais a ter prazer no medo. A colina suave não seduz o alpinista. Ele quer o perigo dos abismos, o calafrio das neves, a sensação de solidão. A terra firme, tão segura, tão sem medo, tão monótona! Mas é o mar sem fim que nos chama: "A solidez da terra, monótona, parece-nos fraca ilusão. Queremos a ilusão do grande mar, multiplicada em suas malhas de perigo...
Esse é o destino dos pais: a solidão. Não é solidão de abandono. E nem a solidão de ficar sozinho. É a solidão de ninho que não é mais ninho. E está certo. Os ninhos deixam de ser ninhos porque outros ninhos vão ser construídos. Os filhos partem para construir seus próprios ninhos e é a esses ninhos que eles deverão retornar.
No crepúsculo, quando a noite se aproxima, o voo dos pássaros fica diferente. Em nada se parece com o seu voo pela manhã. Já observaram o voo das pombas ao fim do dia? Elas voam numa única direção. Voltam para casa, ninho. As aves, ao crepúsculo, são simples. Simplicidade é isso: quando o coração busca uma coisa só.
A maior solidão é a do ser que não ama.
A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida.
A maior solidão é a do ser encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.
Alis Grave Nil - Nada é pesado quando se tem asas.
Trecho da peça Voando para o Alto, Cia de Teatro Tal & Pá
2010.
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