O PSOL e o futuro da esquerda brasileira | #Opinião

Luciana Genro, ex-candidata a presidente e principal liderança do PSol





"Todos os movimentos políticos brasileiros passam por uma fase conturbada, sem líderes, sem espelhos para olhar e sem programas a defender. Mas a esquerda, além disso tudo, fica órfã. Quem irá assumir o protagonismo esquerdista no Brasil após a morte do PT?"





Uma coisa é fato, queira ou não: o PT, como representante da esquerda brasileira, morreu. O Impeachment da presidente Dilma e as eleições municipais de 2016 são a tampa do túmulo de um partido que agora jaz na cova da irrelevância e da descrença, mas que passou de forma completa por todas as fases da vida: teve um nascimento glorioso, uma juventude forte e militante em favor de causas sinceras e reais, seu amadurecimento com a conquista do governo em 2003 e, a partir daí, um declínio cada vez mais rápido, culminando com sua morte trágica e desastrosa. O mesmo partido que conseguiu arrebanhar todo um movimento de esquerda, de intelectuais, artistas e pessoas bem intencionadas, que conseguiu levar ao poder um ex-sindicalista sem nenhuma formação acadêmica mas com amplo conhecimento de Brasil, e que conseguiu eleger a primeira mulher como presidente passando por cima de toda a cultura machista que ainda impera no Brasil, agora vê toda essa bela história ir por água abaixo, vazar pelo ralo do ostracismo pra nunca mais voltar. Isso é fato. 

E agora, no Brasil pós-PT, como fica a esquerda brasileira?

Digamos que no momento atual todos os movimentos políticos brasileiros passam por uma fase conturbada, sem líderes, sem espelhos para olhar e sem programas a defender, restando apenas o discurso vazio do ódio. Mas a esquerda, além disso tudo, fica órfã. Quem irá assumir o protagonismo esquerdista no Brasil após a morte do PT?

Não, a Rede nem passa perto disso. Marina Silva é uma mulher de muita boa intenção, mas fica nisso - apenas boa intenção. Seu partido não tem bandeiras claras e seus militantes insistem em não aceitar que, até um certo ponto, o pragmatismo é necessário no jogo político. O pragmatismo te ajuda a colocar os pés no chão e ser menos "sonhático", como a própria Rede diz ser. Outros movimentos vem surgindo, como a RaiZ da deputada Luiza Erundina (que ninguém sabe se realmente vai vir a existir algum dia) e movimentos internos de membros do PT que amadurecem a ideia de sair do partido e criar um novo movimento. Mas nenhum desses tem força e maturidade necessária para se tornar o novo representante da esquerda brasileira. 

Enfim, repito a pergunta: qual será a agremiação que pode reagrupar e trazer de novo o brilho dessa esquerda brasileira moderna, progressista e antenada?

Sim, o PSOL.


Plínio de Arruda Sampaio, falecido em 2014


O PSOL nasceu de militantes petistas que não concordavam nem aceitavam o caminho que o partido vinha seguindo. Lá atrás, algumas pessoas perceberam que, se o partido ainda tinha vida, era uma vida que dava sinais de um prazo de validade marcado. Apresentou candidatos expressivos em todas as eleições que disputou e que, embora não tenham conseguido uma votação tão grande, conseguiram marcar uma posição que encontrou eco em uma parte importante da sociedade. Heloísa Helena e sua voz de taquara rachada - hoje na Rede de Marina Silva -  representou em 2006 um Brasil que reclama mas não é ouvido. Plínio de Arruda Sampaio, com sua vasta bagagem política e sua figura caricata de vovô fanfarrão, falou em 2010 o que nenhum outro candidato teve coragem de falar: a dívida externa brasileira (Que o PT vivia insistindo em esconder) e o salário mínimo miserável do qual o governo faz uma vergonhosa questão de se orgulhar. Em 2014 o PSOL tomou a decisão acertada de lançar Luciana Genro com o candidata, o que deu ao partido uma nova imagem, conquistando um apoio até então nem pensado. 

Agora, em meio a crise de identidade que a esquerda brasileira vive e a volta do pensamento arcaico de extrema direita representado pelos Bolsonaros da vida, o PSOL tem a chance de assumir a frente e reorganizar o movimento progressista. Isso é, se o PSOL quiser. 

O PSOL tem ao seu favor o fato de já ser um partido político. Não é uma promessa, um sonho que alguns estão lutando pra trazer à realidade. O PSOL já existe, já conhece e faz parte do complexo jogo político brasileiro. Já tem a expertise necessária. Além disso, o PSOL tem lideranças fortes - o deputado Jean Willys mesmo com todas as contradições que o cercam, os deputados Ivan Valente e Chicpo Alencar, sem falar na Luciana Genro, pra mim a melhor representante da nova esquerda que o Brasil espera surgir. 

O que o PSOL precisaria para assumir essa liderança e ser a nova "cara" da esquerda brasileira?

Ante de qualquer coisa, o PSOL precisa se modernizar. Apesar de já defender abertamente e sem medo bandeiras modernas e necessárias como a igualdade entre os sexos, o casamento gay, o direito ao aborto, a legalização da maconha entre outros, o discurso marxista do partido cheira a mofo. Todos os grandes movimentos de esquerda do mundo se modernizaram e ajustaram o manifesto do Partido Comunista ao mundo atual.  O PPS, legítimo herdeiro do PCB e de todo o movimento comunista antigo, tentou fazer isso ao mudar de nome em 1990 mas ficou largado às traças pela liderança fraca do seu presidente Roberto Freire. O PSOL precisa de um choque de realidade, atualizar a cartilha que segue e repensar alguns pontos cruciais de seu discurso, principalmente na área econômica, e sair do mantra "patrão X proletariado", do "burguês X camponeses".  Precisa ainda se desvencilhar de outros movimentos da esquerda velha, como o PCB, PCO e o PSTU, que só existem para receber algum dinheiro do fundo partidário e pagar salário a lideranças que não querem se estabelecer no mercado de trabalho. Alias-se a esses partidos só joga o PSOL na margem do pensamento moderno.

Além disso, o PSOL precisa aprender a dialogar. Impor um pensamento marxista à força só leva o partido à rejeição que já tem. Conversar com quem pensa diferente, falar com o empresariado, pensar formas de adequar as necessidades do Brasil empreendedor ao discurso esquerdista. Dialogar não significa abrir mão de convicções nem esperar apoio de todos, mas mostrar-se conciliador, aberto ao debate. Um movimento de modernização do PSOL passaria obrigatoriamente pelo diálogo com os outros movimentos.

Tendo um discurso moderno e dialogando com todos, o PSOL precisa aprender a se comunicar com quem o queira ouvir. Classe artística, intelectuais, mídia, jovens são públicos prováveis de um novo PSOL, e o partido precisa adequar seu discurso a cada um desses públicos. Insisto: adequar discurso não significa abrir mão de convicções nem esperar apoio de todos, mas sim saber como falar. 

Sim, tenho certeza de que o PSOL tem todo o potencial de ser a nova "cara" da esquerda brasileira, mas pra isso o partido precisa ter a ciência da responsabilidade que isso implicaria, se preparar para isso e se apresentar ao Brasil e ao mundo. A esquerda progressista brasileira ainda é forte e pujante, mas precisa de alguém que a puxe pelas mãos.

Se o PSOL quiser, esse é o momento. 

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